Na última sexta, com a ressaca do Reveillon devidamente curada, foi hora de parar de olhar pro meu próprio umbiguinho lindo e ajudar essa galera que teve muito mais que a chapinha estragada, o vestido molhado e a saída de casa pra festa atrasada pela chuva. Minha família não é daquelas que acha que pobre só come, sente frio e quer brincar em dezembro. Desde que somos pequenininhos aprendemos que pra ganhar alguma coisa temos que abrir espaço na gaveta tirando alguma que é meio velhinha, mas que pra outra pessoa vai servir e ser muito bem vinda. E a gente não aprende isso na sequência da frase, onde o 'pra ganhar' vem na frente do 'servir o outro'. O negócio é realmente fazer o que tá ao nosso alcance pra ser bacana com alguém.
Juntamos um monte de coisa que tinha aqui em casa parado e ficamos pensando onde podíamos levar. Pensamos em centros de assistência social, Polícia Militar, Defesa Civil, Correios mas no fim das contas fomos lá no olho do furacão entregar as doações. Sem saber onde levar, fomos andar na Via Expressa pra ver se a gente achava algum posto de arrecadação. Chegando ali pros lados do bairro Betânia, a conclusão foi que a Via Expressa É um imenso posto de arrecadação no meio da cidade. Tava tudo destruído, aquele monte de casa com muro caído, sem telhado, buracos gigantes na rua, marcas da altura da água nas paredes e muita, muita, MUITA lama. Ver Santa Catarina parecendo uma sopa em forma de estado não foi nada em vista do que eu vi com esses olhinhos que a terra há de comer. Na televisão se você não quiser ver é só mudar de canal, desligar, fechar o olho. Ali na sua frente você pode até fechar os olhos ou quem sabe a janela do carro, mas o cheiro do esgoto estourado vai entrar pelo seu narizinho e mesmo sem querer você vai ter que fazer parte dessa realidade, nem que seja por poucos minutos.
É foda ver aquele mundo de gente com seus simples rodos puxando aquele monte de barro de dentro de suas casas de paredes marrons e cheias de infiltrações enquanto em outro canto da cidade outros tantos comem e bebem com fartura seguida de desperdício. Eu não prego a solidariedade imbecil, aquela que diz que se um não tem ninguém mais pode ter pra se nivelar ao coleguinha. Ao contrário, apesar de não acreditar que possa haver igualdade entre todos, acho que ao menos as oportunidades deveriam ser as mesmas. Eu fico feliz por poder ajudar essas pessoas que perderam suas coisas, mas ao mesmo tempo me sinto mal por elas desejando que eu não tivesse que fazer isso, que elas não precisassem disso. Não pelo esforço, mas por uma sorte melhor pra elas.
Esse tipo de coisa é um tapa na cara da gente. Chegamos numa igreja na beira Via Expressa com muitas sacolas de roupas, brinquedos, panelas usadas, água mineral e comida. Era tanta coisa que precisamos ir em dois carros. Quando minha prima entrou no lugar com uma caixa de leite na mão, veio uma menininha correndo e disse ''Nossa, que bom que chegou leite! Meu avô é diabético, tá sem comer há 2 dias! A chuva levou nossa comida toda embora...'' Quem dorme com esse barulho? Sexta a noite, férias, calor... e eu sem o mínimo tesão de sair de casa pra tomar uma. Isso é bom pra neguinho aprender a repensar a vida na hora que abrir a geladeira naquela ressaca depois de gastar 150 conto na balada e dizer ''merda, só tem Coca normal, eu queria Zero...'' ou então quando falar ''ah neeem, meu Cheddar veio com muita cebola... odeio cebola!'' Enquanto você chama sua mãe de baranga porque ela resolveu mandar pintar a parede do seu quarto de gelo ao invés do rosa com lilás que você tanto queria tem gente aí que nem parede em casa pra pintar tem. Enquanto você reclama porque seu pai foi na padaria e trouxe aquele leite ruim com Ômega 3 ao invés do desnatado que você gosta e ainda por cima esqueceu sua Nutella, olha só que pai fanfarrão, tem um monte de gente que tá sem água potável em casa porque a chuva fudeu com tudo. Mais uma vez, não tô querendo dizer que é pra você virar um monge e abdicar de tudo que você tem e gosta pra sofrer junto com os outros que não têm outra escolha. O ponto é simplesmente valorizar tudo o que você tem, capiche?
Ir lá no seu guarda-roupa e tirar aquelas camisas desbotadas com as golas relaxadas que sua mãe já cansou de ameaçar jogar fora e dar pra alguém não vai te matar. Aliás, vai ser um ato de auto-ajuda. Você vai, além de beneficiar alguém, andar mais arrumadinho ampliando as chances de pegar mulheres bacanas que gostam de caras bem vestidos! Gordinhas, liberem aquelas roupas que não entram mais em vocês há dois verões e vão comprar outras novas! Andar no shopping emagrece e carregar sacolas enrigece músculos, sabiam? E vocês magrinhas, com o dinheiro que vocês gastam mandando suas roupas pra costureira apertar dá pra comprar muita coisa no seu tamanho real! Mamães, não adianta guardar as roupinhas do seu filho de quando ele tinha 1 aninho porque a criatura já está com quase 18, não cabe! No mais, se ele aparece em casa dizendo que a namorada tá grávida e ele vai dar as próprias roupas pro herdeiro vestir, você vai querer matar o coitado mesmo...
Falando sério, passem pra frente aquilo que não serve mais pra vocês, galera. Aproveitem o espírito do Ano Novo, já que tem gente que só funciona assim, e dêem lugar pra coisas novas nas suas vidas. Tem um monte de coisa aí na gaveta que só ocupa espaço. E nas mesmas proporções tem gente precisando. Numa boa, foda-se Israel, foda-se Santa Catarina, foda-se a África inteira se eu puder ajudar quem tá aqui do meu lado. Lá longe já tem muita gente tentando resolver o problema. O negócio é fazer as coisas até onde o braço alcança. É assim que a gente consegue resultado. =]
Oi Juju! Adorei esse texto, na verdade um depoimento. Pois é, tenho pensado muito nisso, reclamamos demais das coisas que temos tão fácil. Mas enfim, devemos tentar sempre que podermos ajudar o próximo. Belas palavras. Saudades de ti! Beijão!
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